Ui, onde já vai 1974!
«Onde estavas no 25 de Abril?» era uma tirada recorrente desse génio de nome Herman José, quando colocava em acção um dos seus ‘bonecos’, uma excelente caricatura a Baptista Bastos.
Ora onde estava eu no 25 de Abril de 1974?
Muito simples: frequentava o 2º ano do Curso Geral dos Liceus (actual 8º ano), na Secção de Ponte de Sor do Liceu Nacional de Abrantes (era esse o seu nome oficial...) e, com 13 anos, era um aluno razoável. Em quase todas as disciplinas, excepto em Desenho, pois cada vez que queria desenhar uma vaca, saía-me um autocarro! Era um verdadeiro zero à esquerda!
E foi precisamente na aula de Desenho que, nesse longínquo dia de 74 tive o meu contacto com esse dia 1 do dealbar da Democracia no nosso país.
Era minha professora de Desenho uma senhora que tinha uma paciência de santa, pois conseguia transformar os meus rabiscos em qualquer coisa que se pudesse compreender. A 'stôra' Ida (assim se chamava) tinha por hábito levar um pequeno rádio a pilhas para as nossas aulas, o que criava um ambiente de paz e calma, ajudando o nosso trabalho.
Em todas as aulas de Quinta-feira, por volta das 3 horas, ouvíamos um programa na defunta Emissora Nacional que era patrocinado pelo Fomento Nacional, que era assim um programa a dizer coisas boas e a tecer loas às grandiosas obras do nosso regime. Era hábito salientar as «maravilhosas participações» de suas excelências, o senhor Presidente do Conselho e seu sócio, o senhor Presidente da República… Às tantas, ouvíamos a frase pela qual estávamos sempre à espera: tudo isto que ouvíamos, as obras, as inaugurações, tudo era sempre para «O Enriquecimento da Nação!»
«O enriquecimento da nação»…
Quem não achava graça nenhuma a este ‘slogan’ era o Henrique, provavelmente o jovem mais… digamos, robusto da minha turma. E invariavelmente, era sempre nesta altura o clímax da aula: saía sempre uma sonora gargalhada, pois era quando os melhores comentários saíam: «Oh Henrique, se enriqueces mais, rebentas!»
Mas naquele dia de finais de Abril, no ano da graça de 1974, algo estava diferente: onde estava o «enriquecimento da nação»? O programa estava todo trocado…
Em sua substituição, marchas marciais, músicas… ‘esquisitas’, ‘Grandola’ vila quê? ‘Fraternidade’? «Oh stôra, o que é fraternidade?»
E uma voz cavernosa, repetitiva... «Posto de comando do Movimento das Forças Armadas»
Mas o que era aquilo?! Então «o enriquecimento da nação» para gozarmos com o Henrique?
«Oh stôra, mas o qu'é qu'é isto? Trocou de canal?»
E a pobre da 'stôra' Ida, sem fazer ideia do que se passava, só nos dizia: «Isto é um golpe de Estado!»
«Golpe de Estado?» Que raio era aquilo? E por que estavam o Marcelo e o Tomás presos?!
A confusão que se seguiu foi-se esbatendo cada vez mais, os detalhes foram aparecendo, os erros em nome da Liberdade foram aumentando...
Mas eu queria era jogar à bola, acabar o liceu e ser astronauta! A política sempre me causou algumas náuseas, mas este período foi verdadeiramente épico, importante, essencial para hoje ser quem sou!
E também para a stôra Ida, pois um ou dois anos depois casou com aquele que era o nosso professor de Religião e Moral, o então Padre Assis!
Tempos épicos, esses!
1 comentário:
A INDIFERENÇA
Bertolt Brecht
Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.
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