Francisco Moita Flores, Professor Universitário e Presidente da Camara Municipal de Santarém
«Enquanto autarca aceitarei prendas que possam ser encaminhadas para o Banco Alimentar contra a Fome.
Quando tomei posse como presidente da Câmara de Santarém fui confrontado com a quantidade de prendas que chegavam ao meu gabinete.
Era a véspera de Natal.
Para um velho polícia, desconfiado e vivido, a hecatombe de presuntos, leitões, garrafas de vinho muito caro, cabazes luxuosos e dezenas de bolo-rei cheirou-me a esturro.
Também chegaram coisas menores.
E coisas nobres: recebi vários ramos de flores, a única prenda que não consigo recusar.
Decidi que todas as prendas seriam distribuídas por instituições de solidariedade social, com excepção das flores.
No segundo Natal a coisa repetiu-se.
E então percebi que as prendas se distribuíam por três grupos.
O primeiro claramente sedutor e manhoso que oferecia um chouriço para nos pedir um porco.
O segundo, menos provocador, resultava de listas que grandes empresas ligadas a fornecimento de produtos, mesmo sem relação directa com o município, que enviam como se quisessem recordar que existem.
O terceiro grupo é aquele que decorre dos afectos, sem valor material mas com significado simbólico: flores, pequenos objectos sem valor comercial, lembranças de Natal.
Além de tudo isto, o correio é encharcado com milhares de postais de boas-festas que instituições públicas e privadas enviam numa escala inimaginável.
Acabei com essa tradição.
Não existe tempo para apreciar um cartão de boas--festas quando se recebe milhares e se expede milhares.
Quanto às restantes prendas, por não conseguir acabar com o hábito, alterei-o.
Foi enviada nova carta em que informámos que agradecíamos todas as prendas que enviassem.
Porém, pedíamos que fosse em géneros de longa duração para serem ofertados ao Banco Alimentar contra a Fome.
Teve um duplo efeito: aumentou a quantidade de dádivas que agora têm um destino merecido.
E assim, nos últimos dois Natais recebemos cerca de 8 toneladas de alimentos.
Conto isto a propósito da proposta drástica que o PS quer levar ao Parlamento que considera suborno qualquer oferta feita a funcionário público.
Se ao menos lhe pusessem um valor máximo de 20 ou 30 euros, ainda se compreendia e seria razoável.
Em vários países do mundo é assim.
Aqui não.
Quer passar-se do 8 para o 80.
O que significa que nada vai mudar.
Por isso, fica já claro que não cumprirei essa lei enquanto funcionário público.
Enquanto autarca aceitarei prendas que possam ser encaminhadas para o Banco Alimentar.
E jamais devolverei uma flor que me seja oferecida.»
Sem comentários:
Enviar um comentário