segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Agora que o Natal está à porta…

image0012

Francisco Moita Flores, Professor Universitário e Presidente da Camara Municipal de Santarém

«Enquanto autarca aceitarei prendas que possam ser encaminhadas para o Banco Alimentar contra a Fome.

Quando tomei posse como presidente da Câmara de Santarém fui confrontado com a quantidade de prendas que chegavam ao meu gabinete.

Era a véspera de Natal.

Para um velho polícia, desconfiado e vivido, a hecatombe de presuntos, leitões, garrafas de vinho muito caro, cabazes luxuosos e dezenas de bolo-rei cheirou-me a esturro.

Também chegaram coisas menores.

E coisas nobres: recebi vários ramos de flores, a única prenda que não consigo recusar.

Decidi que todas as prendas seriam distribuídas por instituições de solidariedade social, com excepção das flores.

No segundo Natal a coisa repetiu-se.

E então percebi que as prendas se distribuíam por três grupos.

O primeiro claramente sedutor e manhoso que oferecia um chouriço para nos pedir um porco.

O segundo, menos provocador, resultava de listas que grandes empresas ligadas a fornecimento de produtos, mesmo sem relação directa com o município, que enviam como se quisessem recordar que existem.

O terceiro grupo é aquele que decorre dos afectos, sem valor material mas com significado simbólico: flores, pequenos objectos sem valor comercial, lembranças de Natal.

Além de tudo isto, o correio é encharcado com milhares de postais de boas-festas que instituições públicas e privadas enviam numa escala inimaginável.

Acabei com essa tradição.

Não existe tempo para apreciar um cartão de boas--festas quando se recebe milhares e se expede milhares.

Quanto às restantes prendas, por não conseguir acabar com o hábito, alterei-o.

Foi enviada nova carta em que informámos que agradecíamos todas as prendas que enviassem.

Porém, pedíamos que fosse em géneros de longa duração para serem ofertados ao Banco Alimentar contra a Fome.

Teve um duplo efeito: aumentou a quantidade de dádivas que agora têm um destino merecido.

E assim, nos últimos dois Natais recebemos cerca de 8 toneladas de alimentos.

Conto isto a propósito da proposta drástica que o PS quer levar ao Parlamento que considera suborno qualquer oferta feita a funcionário público.

Se ao menos lhe pusessem um valor máximo de 20 ou 30 euros, ainda se compreendia e seria razoável.

Em vários países do mundo é assim.

Aqui não.

Quer passar-se do 8 para o 80.

O que significa que nada vai mudar.

Por isso, fica já claro que não cumprirei essa lei enquanto funcionário público.

Enquanto autarca aceitarei prendas que possam ser encaminhadas para o Banco Alimentar.

E jamais devolverei uma flor que me seja oferecida.»

Sem comentários: