sábado, 9 de janeiro de 2010

Árvore Genealógica dos Tempos Modernos...

Esta crónica é de Luis Fernando Veríssimo, filho de Érico Veríssimo, escritor brasileiro, falecido em 1975, autor de «Olhai os lírios do campo».

Luis escreve semanalmente a sua crónica n' «A Folha de São Paulo» e tem várias obras de humor publicadas. É um cartunista de renome no Brasil e no mundo inteiro.

Chegou-me à caixa de correio esta crónica tão actual, mas tão actual, que a resolvi «roubar» e postar aqui, tal qual como me chegou, em «Português do Brasil»... ou, se quiserem, em Português pós-Acordo Ortográfico!


Árvore Genealógica


- Mãe, vou casar!

- Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?

- Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.

- Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?

- Eu falei Murilo. Por quê, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?

- Nada, não... Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.

- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...

- Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso.

- Você vai ter uma nora. Só que uma nora... meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea...

- E quando eu vou conhecer o meu… a minha... O Murilo ?

- Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.

- Tá! Biscoito... Já gostei dele... Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?

- Por quê?

- Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.

- Você acha que o Papai não vai aceitar?

- Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade... E olha que espetáculo: as duas metades com bigode…

- Mãe, que besteira... Hoje em dia... Praticamente todos os meus amigos são gays.

- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Pra poder apresentar pra tua irmã.

- A Bel já tá namorando!

- A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é?

- Uma tal de Veruska.

- Como!?

- Veruska...

- Ah ! Bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.

- Mãe!!!...

- Tá..., tá..., tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...

- Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.

- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?

- Quando ele era hétero... A Veruska.

- Que Veruska?

- Namorada da Bel...

- "Peraí". A ex-namorada do teu atual namorado... E a atual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...

- É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.

- De quem?

- Da Bel.

- Mas… Logo da Bel?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska...

- Isso.

- Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.

- Em termos...

- A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito.E dois pais: a Veruska e a Bel.

- Por aí...

- Por outro lado, a Bel...,além de mãe, é tia... Ou tio.... Porque é tua irmã.

- Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.

- Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.

- Exato!

- Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi...

- Entendeu o quê?

- Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!

- Que swing, mãe?!!....

- É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra...

- Mas..

- Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior... Com incesto no meio...

- A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...

- Sei!!!... E quando elas quiserem ter filhos...

- Nós ajudamos.

- Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...

- Que.. ?

- Fazer árvore genealógica daqui pra frente... vai ser f...

(Luiz Fernando Veríssimo)


2 comentários:

Teresa Diniz disse...

Acho que, cada vez mais, só pensamos em nós próprios. Ou sou eu que estou a ficar velha!
Bjs

Romicas disse...

A-DO-REI !!!!!