sábado, 18 de julho de 2009

O «annus horribilis» da Educação


Estávamos no ano de 1992 e o Reino Unido atravessava uma fase menos boa, monarquicamente falando.

A Raínha Isabel II (ou Queen Elizabeth II, para os puristas da língua de Shakespeare, que gostam de
ler o meu blogue comendo uns «scones» e bebendo o «five o'clock tea») passava as «passinhas do Algarve» (ou será «ALLgarve?), vendo os seus filhos a divorciarem-se das respectivas. Como se isso não bastasse, por alturas do Natal viu o seu «modesto» castelinho de Windsor pegar fogo! E foi por isso tudo que ela apelidou 1992 como o «anno horribilis» do seu reinado.

Foto: perioproperty

De então para cá, muita água passou por debaixo das pontes e uns anos foram melhores, outros nem tanto.

E foi então que chegámos a Portugal. O ano era 2008. E 2009, porque eles andam sempre a pares.

2008-2009 foi o «annus horribilis» da Educação. Não só para a Educação, é um facto, mas para muitos e diversos aspectos do nosso país. E a crise não explica tudo.

Enquanto professor, nunca me senti tão humilhado, insultado, vilipendiado na minha tarefa de Educador como neste ano. E já levo 27 anos de serviço, o que é uma vida!

À excepção daquela figura que é um farol de lusitaniedade, de nome Cronaldo (há quem lhe chame Cristiano, ou Ronaldo, mas eu, Ronaldo, só conheço aqueles dois brasileiros, com dentes grandes, o -inho e o outro), que até sabe dar uns pontapés na «chicha», o ano foi mau para todos. Ninguém foi comprado por 94 milhões! (por favor, comprem-me! faço um preço mais em conta, 50 milhões chegam-me!)

Façamos, então, um exercício de memória e puxemos a cassete atrás.


Este foi o ano da nova legislação da avaliação de desempenho, que, se algum benefíci
o trouxe à carreira, foi ter conseguido juntar uma classe e encher as ruas de Lisboa (eu estive lá! das 2 vezes! ó pra mim, aqui na Praça do Comércio!)

Foto: Papagaio Inc.

De resto, o Decreto 2/2008 trouxe às escolas aquilo que a equipa ministerial pretendia e que muitos já previam: a divisão entre professores e o mal-estar daí decorrente. Cada um por si e a escola colaborativa acabou nesse instante. «Eu, mostrar-te a minha ficha? Para tu a copiares e colocares no teu portfolio? Faz mas é a tua...»

Professores contra professores, a bufaria e o beija mão a grassarem por tudo quanto é escola...


E que dizer dos colegas que, pressionados por um sistema cada vez mais burocrático e desfazado da realidade, começaram a pedir a reforma antecipada? Basta cada um de nós olhar em redor e ver quantos dos que estavam «connosco» no ano anterior já estão fora do sistema. E com penalizações de 30, 40, 50%...

A cereja no topo do bolo chamou-se Decreto Lei nº75/2008, o famoso 75 que «inventou» essa figura de Democracia Burocrática que é o
director!

Imagem: Google Images

O novo modelo de gestão veio aumentar a cisão numa profissão que conseguira juntar quase a totalidade dos seus docentes, por duas vezes... Os Conselhos Gerais (anteriormente Transitórios), como herdeiros da anterior Assembleia, assimilaram todo o poder, mandando a escola representativa às malvas! «Ah, mas estão lá os pais, os professores, os pais, a comunidade...» Pois, está bem, abelha! Eu sei perfeitamente como esses Conselhos Gerais podem trabalhar, oh se sei... Basta 2 ou 3 elementos que sabem urdir a teia e, lentamente, vão apertando a malha, até a simples aplicação da livre escolha fica tolhida. «Pois, vê lá como votas, lembra-te do que te foi concedido!»

«Vae Victis», «ai dos vencidos»: ficam párias, excluídos, separados dos demais.
Se tens cargos, obviamente destituo-te! Mas com «souplesse» e classe. E democraticamente...

Como disse o meu colega Bloguista Ramiro Marques (Boas Férias, Ramiro!), no seu ProfAvaliação:


«Os professores passaram a andar pelos cantos da escola, de rosto triste, a dizerem às escondidas aquilo que passou a ser proibido afirmar às claras. O medo instalou-se. Os aspirantes a tiranetes, fascistas, socialistas jacobinos, vira-casacas e lambe-botas deram as mãos e mergulharam as escolas numa espiral de loucura burocrática e desrespeito pelas leis e pelas pessoas.»

E acreditem que ainda a procissão vai no adro. A
Avaliação Docente ainda agora saíu da Igreja. No meu Agrupamento, no último Pedagógico do ano, questionaram o Director sobre a Avaliação Docente:

- Ah, vão de férias, lá para Setembro concluímos isso!


Assim, tal e qual. Em Setembro! Quem vier atrás que feche a porta! Quando começarem a sair as avaliações,
«então ele tem Excelente e eu só Muito Bom? Ele, que é um lambe botas?» E isto vai-se ouvir e repetir, vezes e vezes sem conta. Faz parte do clima que nos criaram.

Foi isto que esta verdadeira maga do Ensino que se chama
Maria de Lurdes Rodrigues nos deixou, ao abrir a Caixa de Pandora em que se tornou a Educação do nosso país!

E eu, que sou um profissional atento, participativo, colaborativo, amigo, fico triste. Porque os professores já não têm pejo de apunhalar os colegas nas costas, porque é sempre um a menos a sair de cena. Ninguém quer ajudar ninguém, isto é o que constato. E só vai piorar!


E que dizer dos
concursos? Tenho tantos colegas que esperavam, «este ano é que é, vou entrar quase de certeza, com tantas vagas...» Pois bem, algumas centenas, cerca de 4, para ser preciso, foram os felizardos que puderam entrar para os quadros. Quanto aos outros, transformaram-se numa nova «classe», os DACL.

Felizmente, alguma coisa boa surgiu. Ou irá surgir.Consta por aí que em Outubro esta gente toda vai levar um valente empurrão (para não utilizar outra figura de estilo!) e o Ministério da Educação terá uma verdadeira lufada de ar fresco. Alguém abriu uma porta «europeia»...


Assim espero. Assim esperamos!

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro colega, nem imaginas como o teu blog é, ele sim, uma lufada de ar fresco...pq do ministério, venha quem vier não espero nada...ou o que espero é cada vez mais negro!
Esta torrente de legislação abriu portas a tudo...coordenadores que procuram lixar avaliados, porque eles próprios terão uma avaliação menor (benditas quotas que fazem de nós lobos uns dos outros), directores que eleitos à força (o tacho onde foi-se pq se o magalhães serviu para alguma coisa foi pra demitir quem "meteu a pata na poça"), que agoram pagam favores ao conselho geral, com tachos, benesses de horários, cargos...por si...ou por interposta pessoa! Tornou-se tudo num imenso conluio, com o beneplácito do ministério, das DRES, das câmaras...
Não amigo isto não foi o annus horribilis...é apenas o início de muitos annus pior q horribilis...
Não consigo imaginar onde vamos parar, mas doi ver a educação neste estado...porque sejam 10, 12, 20 anos (como eu), 27 como tu...é uma vida q todos os dias dedicamos aos outros dentro da escola, da sala de aula. Merecíamos respeito e tranquilidade para podermos trabalhar.
Continua papapagaio!!!!!!

entremares disse...

Era uma vez uma pato. Ou melhor, uma pata. Uma pata grande e poderosa.

No grande reino da Patolândia, a população era constituida por muitas espécies de patos, todas elas vivendo em amena convivência, nadando nos mesmos lagos, alimentando-se pacificamente dos amplos recursos com que a natureza bafejara o reino.
No norte, viviam os patos marrecas, também conhecidos por trocarem muito os “vês” pelos “bês”, muito faladores, activos e sempre propensos a contar anedotas sobre os patos do sul, os patos mudos, que apesar do nome, até falavam bastante. Arrastavam um bocado a fala e colocavam muitos “ei” e “tão” no final das conversas, mas fora isso eram tão patos como os outros, os do norte.
A vida decorria feliz na Patolândia.
Os patinhos, acabadinhos de sair dos ovinhos, eram levados pelas mães até aos charcos mais tranquilos, onde ficavam à responsabilidade dos mestres-patos, que tinham a incumbência de os ensinar nas artes de grasnar, nadar, voar e todas as outras coisas típicas da raça.
Quando crescessem o suficiente, rumariam a outros charcos, aprenderiam a grasnar coisas diferentes , a procurar o seu próprio sustento e, quem sabe, até a pôr ovos, constituir família.
A pata grande e poderosa era a responsável por todos os mestres-patos e tinha a delicada missão de supervisionar todos os pequenos charcos onde os patinhos aprendiam os pequenos “Quac”.
Mas a pata grande e poderosa não estava sózinha. O governo da Patolândia estava nas mãos de um outro pato, também grande e poderoso, um pato-real vistoso que, na prática grasnava mais alto que o rei dos patos, já velho e a perder as penas.
No entanto, a paz estava a desaparecer no grande charco.
A pata grande e poderosa andava de penas trocadas com os mestres-patos e as águas do charco ficavam, de dia para dia, cada vez mais revoltas.
A confusão era grande.
Por decreto real, os mestres-patos passavam a ser obrigados a comunicar à grande pata de cada vez que não conseguissem ensinar um patinho a nadar, a voar ou a grasnar, mesmo que o patinho tivesse nascido mudo, sem asas ou sem patas. Os mestres-patos passavam também a ser obrigados a ensinar os patinhos enquanto vivessem, mesmo quando já não conseguissem voar para acompanhar os seus pupilos. E, finalmente, os mestres-patos que quisessem sair do charco secundário e saltar para o charco principal tinham que desafiar os outros mestres-patos do lago, numa competição onde se teriam que debicar furiosamente - quem conseguisse arrancar mais penas aos adversários, ganhava o direito de nadar no charco principal.
Por tudo isto, fácilmente se compreenderá que a grande pata não era muito popular entre os mestres-patos.
O pato-real, que segurava nas penas os destinos do reino, também já fora mais popular.
Ultimamente, só se ouvia grasnar nos cantos do charco histórias sobre o grande pato, boatos de sementes retiradas do celeiro e enterradas sabe-se lá onde, uns amigos quaisquer do grande pato que agora só nadavam nas melhores zonas do charco, corria até uma história de que o grande pato nem aprendera a voar, mas mesmo assim tinha uma anilha dourada na pata como se tivesse ... enfim, uma grande confusão, pois claro.
Os patinhos também não estavam muito contentes. Não por simpatia com a causa dos mestres-patos ou coisa parecida, mas porque sentiam que a grande pata não tinha o direito de os obrigar a estar tanto tempo no charco, sem tempo para umas fugas, umas brincadeiras, uns voos à sucapa, enfim, essas aventuras típicas de patinhos adolescentes, vocês sabem como é.
Portanto, o que tinha que acontecer... aconteceu.

(continua...)

entremares disse...

(...continuação)

Um belo dia, os mestres-patos revoltaram-se em conjunto e vai daí, nadaram todos em direcção ao grande charco, grasnando ruidosamente. Pelo caminho, abanavam frenéticamente as asas, grasnando palavras de ordem e enchendo os ares de penas. Num repente, invadiram os aposentos da grande pata, afugentando-a para o exterior.
A revolução saira ao charco.
A grande pata ainda tentou negociar – dois grãos de milho extra na ração – mas já era demasiado tarde.
O grande pato-real, vistoso como sempre, assitiu impassível enquanto a grande pata era depenada e colocada num grande caldeirão, onde já ferviam a água e os temperos. Um dos revoltosos despejou então para dentro do caldeirão uma grande quantidade de bagos de arroz, duas pitadas de sal e umas folhas de louro. Depois, revezaram-se e foram mexendo, mexendo, mexendo...
Finalmente, o manjar ficou pronto.
O grande pato-real, ainda vistoso e sempre cheio de recursos, sentou-se à mesa e serviu-se. Aquele arroz de pato estava delicioso, excelente mesmo.
Ergueu o copo e propôs um brinde.
- Meus caros mestres-patos, não encontro palavras para vos retribuir a felicidade de estar aqui convosco, nesta confraternização. Sabem que sempre estive e sempre estarei do vosso lado. E para que vejam que eu compreendo que tudo isto não passou de um lamentável mal entendido, vou providenciar agora mesmo que todos vós passeis a receber mais três grãos – reparem, três grãos de milho - na vossa mais que justa ração...
Os convidados ergueram os copos.
- Ao charco – grasnaram todos.
O grande pato-real inchou ainda mais as suas penas.
- São mesmo patos... – pensou para consigo mesmo. Sorriu e ergueu o seu copo.
- Ao charco, gritou. Ao charco...

Anónimo disse...

Bom dia de domingo, Entremares!

Gostei da história, que como todas as histórias, deve ter uma moralidade!
Só gostava de saber quem é o Grande Pato e a Grande Pata na cabeça do contador! Se calhar quero saber muito, e esta será uma história aberta, cada um imagina o que mais lhe convém! De qualquer forma, esta teve o condão de me fazer rir e até imaginei umas quantas personalidades a serem os ditos patos, patas, patinhos e patinhas!
IHIHIHIHIH Vá responde lá ó Entremares.Diz-nos quem são os ditos

Anónimo disse...

Oi, Papagaio daltónico!
Continuas a surpreender, se os teus colegas estão todos a dizer yes, man, pelos vistos tu não tens medo!
E continuas imparável a debicar aqui e acolá com grande propriedade!
Mas, olha lá, o teu director mandou mesmo ir toda a gente de férias e não fez a avaliação?
Deve ser um grande profissional! Os professores vão-se embora para outras escolas e não ficam a saber a avaliação que tiveram?
Essa é outra coisa sui generis (pegaste-me, papagaio, também de vez em quando emprego umas expressões latinas, mas pouco, muito pouco, porque eu não sou tão erudito, como tu!)da tua escola! Já contaste aqui tantas, essa é só mais uma! Mas, deixa estar, que os amigos, os yes men devem ter todos «Excelente», porque curvam a cabeça de uma forma tão reverente que o «Grande Pato» vai compensá-los por tanta dedicação.