Aristides de Sousa Mendes
Para muitos de vós, poderá ser um nome que não vos diz muito. Para mim, é sinónimo de Homem Bom, assim mesmo, com maiúscula!
É, pois, um imperativo moral para mim falar hoje, aqui, deste vulto da nossa História!
Numa altura em que os governantes e políticos do nosso País nos envergonham, com atitudes e frases (que só manifestam o baixo nível a que chegaram as pessoas que têm o Futuro do nosso País nas mãos), é bom lembrarmo-nos de algumas referências que, quer queiramos, quer não, são aquelas que nos fazem acreditar no Homem e na capacidade que este tem para modificar e melhorar o Mundo.
Aristides de Sousa Mendes nasceu em 1885, perto de Viseu e morreu na miséria, em Lisboa, em 1954.
A sua actuação enquanto cônsul do Governo Português em Bordéus é uma daquelas pequeninas coisas que me fazem ter orgulho de ser Português!
Foi o principal responsável da fuga de inúmeros judeus da França ocupada pelos nazis, em plena Segunda Guerra Mundial. Dezenas de milhares de refugiados, fugindo do avanço inexorável da máquina trituradora nazi, chegavam a Bordéus, tentando escapar a um destino que todos nós sabemos qual era.
Perante o afluxo enorme de gente, Aristides decidiu conceder vistos a todos aqueles que se dirigissem ao Consulado Português de Bordéus.
«A partir de agora, darei vistos a toda a gente; já não há nacionalidades, raça ou religião!»
Para que essa tarefa fosse levada a bom porto, Aristides de Sousa Mendes «requisitou» os filhos e sobrinhos, bem como um amigo de longa data, o rabino Jacob Kruger e, no dia 16 de Junho de 1940 começaram todos a carimbar passaportes, a assinar vistos, usando todo o papel que havia no Consulado.
Claro que Salazar, informado de tudo o que se passava em Bordéus, já avisara o Cônsul, mas este, destemido, referiu que
«Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.»
Aristides foi, portanto, afastado de Bordéus, sendo destacado em Bayonne. Mas mesmo aí continuou a sua tarefa de conceder vistos, no período de 20 a 23 de Junho, num escritório dum vice-cônsul.
Como corolário de todo este trabalho, que logicamente desagradara sobremaneira a Salazar e aos seus aliados nazis, Aristides foi despedido em 23 de Junho, por Salazar e expulso da França, sendo conduzido a Hendaye, onde iniciaria o seu regresso a Portugal. Mas mesmo nesse regresso, Aristides, de posse dos carimbos necessários, nunca parou de conceder vistos a todos os que lhos solicitavam.
Foram enviados funcionários do Governo para trazerem o agora ex-cônsul para Portugal mas este, com a sua viatura, liderou uma coluna de veículos com inúmeros refugiados e guiou-os na direcção da fronteira onde, do lado espanhol, não havia telefones, desconhecendo assim a decisão de Madrid encerrar as fronteiras com a França.
De posse de todos os documentos necessários (vistos assinados e passaportes), Aristides de Sousa Mendes conseguiu convencer os guardas aduaneiros a deixar passar toda a gente, que puderam seguir viagem para Portugal.
No dia 8 de Julho chega a Lisboa e é destituído de todos os seus privilégios de diplomata por um ano, sendo reduzido o seu salário para metade e remetendo-o para a reforma. Como pena acessória, ficou privado de exercer a sua profissão de advogado e viu-lhe ser retirada a carta de condução.
A sua família, bastante numerosa por sinal, sobreviveu graças à solidariedade da comunidade judaica que permitiu que alguns dos seus filhos pudessem estudar nos Estados Unidos. Curiosamente, dois dos seus filhos participaram no Desembarque da Normandia, a 6 de Junho de 1944, contribuindo para a destruição da máquina de guerra nazi.
Durante estes tempos difíceis, Aristides de Sousa Mendes e família frequentaram a cantina da assistência judaica internacional, onde a sua presença se destacava dos demais. «Nós também somos refugiados», disse um dia.
Após o final da guerra, em 1945, Salazar, mostrando ser tão hipócrita como oportunista, felicitou Aristides de Sousa Mendes por ter auxiliado os refugiados, recusando-se, mesmo assim, a reintegrá-lo no corpo diplomático.
Morreu em 3 de Abril de 1954, após ter vendido todos os seus bens e ter visto a sua mulher falecer em 1948. Como não possuía fato próprio, foi enterrado com um hábito franciscano, uma vez que passou os seus últimos dias no hospital dos franciscanos, em Lisboa.
De todo o seu trabalho, conseguiu-se apurar que teria passado cerca de trinta mil vistos, dos quais cerca de dez mil seriam de refugiados judeus.
Só em 1987 o seu nome começou a ser reabilitado pelo Estado Português, tendo-lhe sido atribuído a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República e pedidas desculpas públicas, a si e a toda a família.
Outros países se adiantaram a Portugal, felizmente. Ou infelizmente.
Em 1966, Israel enalteceu a coragem e humanidade de Aristides e atribuiu-lhe o título de «Justo Entre as Nações», nome atribuído aos não-judeus que, de algum modo, salvaram judeus durante o Holocausto. Foram plantadas algumas árvores em seu nome, no Memorial «Yad Vashem» (‘Autoridade de Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto’), em Jerusalém.
Em 1998, a República Portuguesa, na continuação do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas acções em Bordéus.
Oito anos depois foi realizada uma acção de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão. Consta que a reconstrução continua num impasse.
Mostrando como a História pode ser irónica, durante o concurso da RTP «Os Grandes Portugueses», em 2007, Aristides de Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Em segundo ficou Álvaro Cunhal e em primeiro, Salazar!!
Para aqueles que, como eu, se emocionaram com a história de Oskar Schindler, retratada no filme «A Lista de Schindler», seria interessante que a nossa televisão conseguisse fazer justiça a um verdadeiro Português, que nunca dobrou a espinha ao poder, que pensou pela sua cabeça e conseguiu granjear o respeito de todo o Mundo!
A História deve-lhe muito. A memória dos homens, por vezes, é curta!
Aqui fica a minha homenagem e contribuição para engrandecer o nome deste verdadeiro Homem Bom!
Para quem queira conhecer um pouco melhor, poderá visitar o Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes.
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