terça-feira, 21 de julho de 2009

Ponte de Sor, 1969

Era ainda um puto, tinha somente 9 anos, mas recordo-me perfeitamente daquelas intermináveis transmissões em directo da ida do homem à Lua.

Pois faz agora 40 anos que Neil Armstrong pôs os pés na Lua pela primeira vez.

«One small step for man...», lembram-se? No tempo da RTP (a única!) , com TV a preto e branco. E com a voz do José Mensurado de fundo!

Eram horas atrás de horas de transmissões e não sei porquê, aquilo gerava em mim um fascínio tal, que não queria perder pitada. E, tal como todos os miúdos da minha idade e daquela altura, eu queria era ser astronauta!

A minha avó Rosária, uma grande senhora, analfabeta e iletrada, que nunca foi à escola para poder criar os seus filhos, era uma pessoa bastante inteligente e curiosa para os seus 64 anos. Adorava fazer-me companhia, olhando para aquela caixa que mostrava imagens cujas cores eram o preto e mais as suas inúmeras variantes de cinzento, por vezes com enormes dificuldades de recepção (o Verão, em Ponte de Sor, era horrível para se ver televisão!), perguntava-me tudo o que estava a ver e eu, no alto da minha douta sapiência dos meus 9 anos, lá lhe ia explicando o que estava a ver, o módulo lunar, o passeio no espaço, coisas que tinha verificado com antecedência n'«O Século», para não ficar mal na explicação.

Já a minha outra avó, a avó Branca, essa era mais céptica. Não acreditava em nada daquilo, então não se via perfeitamente que era tudo montado, querem lá ver que o Homem tinha chegado à Lua? Era o que mais faltava!

Dava-me piada contrariá-la e, em conjunto com a minha avó Rosária, mostrar-lhe que «cientificamente» aquilo estava tudo correcto, que era a coisa mais natural ir ali à Lua e na volta passar pela mercearia e comprar um quilo de arroz!

Não era tempo de vacas gordas. Nesse tempo, tínhamos direito a comer um gelado Olá por semana (geralmente era ao Domingo) e cada um oferecia-nos qualquer coisa, desde um pequeno boneco de plástico até uma colecção de cromos. Nessa época, Verão de 69, e aproveitando essa Lua-mania, a oferta era uma colecção de mais de cem cromos sobre aquilo que seria o Planeta Terra no ano 2000.

Foto: colecção de brindes Olá (Carrocel Mágico)

Para que pudéssemos concluir a colecção, o pessoal da minha rua juntava-se e, em conjunto, completávamos as folhas todas da caderneta (que era vendida por dez tostões) e deliciavamo-nos a apreciar a colecção, que ia rodando de casa em casa, até estarmos cansados e a caderneta ficar, esquecida, a morar na casa de um de nós.

E que visão lírica havia sobre o mítico ano 2000! Era uma coisa quase inatingível! «Meu Deus, no ano 2000 terei 40 anos! Serei um velho! Mas ao menos terei o meu apartamento na Lua!»

Lembro-me (é sinal de que começamos a ficar 'chonés' quando começamos muitas frases com «lembro-me») perfeitamente que todo este sonho, esta utopia do Grande Futuro de há 40 anos se centrava na Lua, que seria mais uma colónia do Planeta Terra, onde todos teríamos uma casa de férias, com grandes cúpulas para plantar couves, cenoras, batatas... As viagens seriam corriqueiras, bastava apanhar o Expresso das 5 e voilá, estariamos na Lua num estalar de dedos.

Já Marte... O Planeta Vermelho (não sei se pela cor, que lembrava o Reino do Mal Soviético) era algo maléfico, os marcianos estavam lá, algures, à espera de nos exterminar. E quando isso acontecesse, sempre poderíamos fugir para a nossa casa da Lua!

Que tempos belos, esses, da infância. E dos anos em que os professores ensinavam, os alunos estudavam e aprendiam, os polícias prendiam os maus e todos queríamos ser Astronautas!

2 comentários:

Romicas disse...

Adorei esta descrição!
Tanta coisa que veio à minha mente desses tempos longínquos... Afinal, as crianças do Alentejo tinham as mesma brincadeiras das da Beira Litoral... (e do resto do país, claro!) Lembro-me tão bem dos bonecos do Carrocel Mágico...

Anónimo disse...

Eu também adorei esta descrição. A minha infância não foi passada na Beira Litoral, antes pelo contrário, foi mesmo aqui, neste conselho, mas noutra freguesia,... E também na minha freguesia chegou a transmissão da chegada do Homem à lua. Bem, a transmissão em directo entrava pela noite dentro! E eu, às nove, já tinha que estar na cama! A verdade é que era Julho e nessa altura já estávamos de férias, mas pelos vistos não tinha autorização para pernoitar na sala de estar. Os meus sete anos não me permitiam tal luxo. E o pior é que o meu irmão podia ficar a ver! Porquê? Porque tinha doze anos! Era sempre a mesma coisa, ele podia tudo, eu nada! Lá fui subindo as escadas, reclamando, mas de nada me serviu. Toma lá um copo de leite com MILO e caminha!Por isso em directo não vi, mas vinguei-me nas reportagens seguintes. A minha avó materna à semelhança da tua, abanava a cabeça e chamava-nos "Tontos"! Depois chegaram as séries Star Trek, mais tarde "Espaço 1999"! O que eu gostava daquilo. Gostei tanto, que no auge dos meus 14 anos, quando o meu professor de Matemática questionava a turma sobre o anseio profissional de cada um, eu respondo:
"Astronauta".
Fez-se silêncio naquela sala 9 da então Escola Secundária. No meio de todas as profissões "normais" e "possíveis" descritas pelos meus colegas, eu muito tranquilamente profiro aquela frase!Os meus colegas voltam-se todos para mim com um ar, não sei se reprovador, se do tipo "estás boa da cabeça?" Até o Carapinha, que era um rapaz bem à frente. Deve ter sido o primeiro rapaz a ir de calções para a escola! Até ele, quando soube da minha vocação, ficou indignado! Acabei por não seguir a minha vocação que me acompanhava desde os sete anos. Bem, devo culpar quem?
Os colegas de turma? O Carapinha? Não, eram todos bons rapazes e raparigas, com os pés assentes na Terra! Eu é que andei sempre no mundo da lua. Acho que até hoje ainda não consegui assentar bem os pés na terra! Bem, mas a verdade é que quanto mais avanço neste percurso terreno, mais vontade tenho de fazer parte da tripulação do Star Trek!...